Roda Gigante
A luz rosa brilhava no seu rosto. Seus dentes já não eram mais brancos em seu sorriso. Você parecia assumir sete anos de idade na afobação infantil de quem vislumbra algo lindo e se contorce entre admirar por si só e querer compartilhar a imagem com mais alguém. Você quis dividir aquela emoção comigo, e eu me senti uns dez anos mais velha. A gente correu em tempos diferentes, e esse cenário me parece mais claro agora, eu não consigo te acompanhar. Eu não consigo entrelaçar meus dedos nos seus e dar aquela apertadinha como se nossos dedos fossem nós. Eu não consigo me conter de naturalmente virar um pouco o rosto toda vez que você chega para me beijar, e eu quero que você encoste na minha bochecha e não mais nos meus lábios.
O seu riso é tão grande, que você ainda não percebe os pequenos distanciamentos do meu ser, você se distrai querendo me mostrar o mundo e me incluir no seu presente, sem perceber que eu não tenho mais vontade de estar ali.
Sem perceber que eu jamais estive ali.
Sua positividade age como brilho luminoso, algo lindo, porém ofuscante, que te impede de ver, ou porque você talvez não queira ver.
Talvez essa seja sua estratégia, fingir não ver até o ponto de conseguir contornar essa situação, dar uma reviravolta e me conquistar mais uma vez, me fazer apaixonar. Mas eu já não consigo olhar para trás e concluir se você um dia você já chegou a me conquistar para poder fazer isso de novo. Acho que você nunca conseguiu. Mas não por incompetência sua. Por incapacidade minha mesmo. Seu erro foi ser bom demais. Bom demais para mim e eu não ter aptidão de perceber isso.
A gente está nesse parque de diversões, tentando recriar aquele primeiro encontro. De quando nos conhecemos, exatamente depois de ambos terem levado um fora e termos sido rejeitados. A gente começou tão devagarzinho, sem pressa, sem expectativa. A gente sentou na roda gigante, e aquele momento pareceu uma eternidade, nossas coxas encostavam uma na outra, mas eu olhava para um lado, e você para o outro.
Naqueles dias você não tinha interesse em fazer minha visão apontar para onde você olhava, mesmo que a vista daquele seu lugar fosse bem mais interessante que o da minha perspectiva.
Na verdade, você virou bastante o seu rosto, para que eu não visse que você estava chorando, e eu realmente não vi. Mas dava para ouvir. A gente se encontrou para remediar a solidão que acometia aos dois. Logo no primeiro encontro a gente já se emendou de nos beijarmos, de dormirmos juntos e abraçados, nesse momento tivemos pressa, nenhum de nós queria ir embora, nesse momento estávamos em sintonia no mesmo instante.
Nosso momento não durou por muito tempo.
Mesmo que eu não fosse a pessoa que você queria, e você também não fosse exatamente quem eu tinha em mente, a gente se acostumou e se permitiu ser o conforto um do outro.
Nós quisemos combater a frieza, sem deixar que a cama chegasse a perder o calor.
Quem ia nos conhecendo como casal ia se surpreendendo com a rapidez que nos envolvemos, ainda mais quando sabiam o nosso histórico de que havíamos acabado de acabar com nossos respectivos antigos pares, mas eu e você estávamos seguros andando de mãos dadas, levando o tempo que fosse, julgando que estávamos conseguindo lidar com nossos relógios, carregando lentamente um dia depois do outro.
Esperando o amor chegar ali, entre a gente, nos alcançar e surgir da maneira que a gente sabia que ele surgia, meio que nos golpeando e nos deixando sem saída. Ambos já haviam passado por isso antes, e a gente sabia como era.
E nunca chegava a hora de ser.
Porque nunca era como já havia sido.
Parece que ninguém imaginava que a gente chorava um no ombro do outro que éramos bem parceiros, e por isso só amigos. Amigos que dormiam juntos, que permaneciam abraçadinhos.
Eu não sei exatamente quando isso mudou entre nós, que mudou para você na verdade, porque eu me enxergo na mesma, eu me enxergo querendo você, mas não necessariamente precisando de você.
E eu lamento. O amor te golpeou, e eu instintivamente devo ter apenas me esquivado.
Achei que caminharíamos juntos, mas estamos em páginas diferentes, não sei se você se apressou, se eu atrasei, só sei que era jamais para ser. Achei que jamais fosse ser.
Mas para você é, você não chora mais comigo, nem me conta angustias, você me fala de planos, você me fala de sonhos, você me coloca por entre suas palavras, como se eu fosse requisito mínimo para a concretização daqueles acontecimentos.
Quando foi que a gente perdeu a mão? Quando foi que você parou de pensar nela, para aderir e aceitar a mim? Por que você sequer me quis? E por que eu não fui capaz de fazer o mesmo?
Eu ainda preciso chorar no seu ombro por ele, e você não se importa. Era para você se importar, de detestar sentir gotas quentes com espectros de outra pessoa, de ter alguém presente ali que não está realmente ali, de não querer ser machucado de novo, e ainda mais e principalmente por mim. Que não sou ela. Que não te mereço.
Que não mereço seu sorriso de roda gigante e a luz natural dos seus olhos. Não ainda, e talvez jamais. Porque eu confesso o que eu sou incapaz de ver, de valorizar. Que eu me torno a sua ela quando resolvo ir embora, enquanto eu não quero ninguém mais além do que ele.
O tempo que estendo aqui com você, é me esforçando pra poder corresponder seus sentimentos, você não merece, eu quero aprender.
Mas a situação é tão complicada, tem dias que acordo e paro para pensar que estou te impedindo de conhecer alguém melhor, e que estou te obrigando a permanecer com alguém como eu, que não pode te entregar metade do que você deseja, metade do que você merece. Mas ao mesmo tempo não quero quebrar seu coração indo embora.
Enquanto minha permanecia não correspondente machucar menos seu coração do que minha partida, eu me submeto a ficar aqui. Insistindo em me deixar envolver por você, me permitindo ser conquistada. Olhando para onde seus dedos apontam, segurando sua mão quando você me estende. Visualizando seu sorriso na minha mente e tentando repetir.
Você merece alguém melhor do que eu. Alguém que possa te olhar, te amar, sorrir para você do jeito que você precisa, do jeito que você faz.
Você é bom demais para ser verdade. Você é bom demais para ser meu.
Texto: Isadora Mello
Imagem: colagem de imagens da internet por Isadora Mello
2019