2019,  Textos

Premeditado

Esse momento nunca mais vai existir igualmente assim. E eu que imploro por tantos temas externos, por que não aproveitar o agora que existe em mim?

Esse agora confuso, em sulcos, em pulos. Esse agora que me fez acordar às 3h da madrugada e sentir dificuldade em voltar a dormir. Que me fez fantasiar mais uma mentira sutil que talvez não tenha sido nem captada, ou que nem leve a nenhuma importância.

Esse agora no qual todos os pássaros estão voando e eu me acostumei a não contar com nada, com nenhum deles sequer.

Com nenhuma permanência, nenhuma volta.

Eu não vou estar aqui para sempre, eu não estarei aqui nem nos cinco meses daqui seguintes. Então, como pedir, se não dá para ficar? Como não ser também pássaro e não estar aqui, e exigir dos outros o que eu mesma não posso dar?

Quero dizer que já sei, que me preparo sempre para saber. Porque depois, machuca menos.

Com um, compartilhei todos os meus medos e com o outro, temo até não ter coragem de dizer nada, com ele, sou muda, me calo, me contenho, me contento. Nem conto com os outros, nem conto para eles. Qual é a linha que divide a mentira da omissão, do ato de esconder ou disfarçar? Até onde eu posso me permitir ir para dizer? Penso que talvez seja a minha própria  maneira de não ter nem que entregar o jogo para mim mesma, me previno de falar em voz alta, para que seja menos real, para que eu não tenha que saber de antemão, para eu me poupar de me escutar, ouvir isso saindo da minha boca.

Eu sei que eu transferi meus medos para você. Porque eu sabia que se eu passasse pelo o que você passava, eu me conheceria o suficiente para saber, que eu não ia suportar, que eu ia me entregar, que eu sou de me apaixonar, que eu sou de ceder.

E talvez eu não devesse mesmo ter dito para você, porque não significaria que você fosse ser igual a mim.

Que eu não sou receita e você não segue procedimentos.

Mas eu disse, escapou, foi mais forte do que eu, escorreu por entre minhas lágrimas em cachoeira. Era vívido e eu queria me manter no poder, ou ao menos, expressar e representar ele, mostrar que eu o tinha, que eu sabia. Provar. Se você soubesse que eu sabia, parecia que ia doer menos. (Mesmo você querendo que eu concluísse que não sabia).

E eu na verdade não sei. Posso estar especulando agora, posso ser paranóica em exagero, posso ficar me obrigando a puxar esse encalces até que eles sejam reais o suficiente. Talvez não se aplique mesmo a você, o que será que você tem a me dizer? Você tem sequer qualquer coisa a me dizer?

Porque eu, eu cai na minha própria armadilha, eu tentei transferir meu medo a ti, como forma de tirar de mim, mas ele vem preso em mim, ele sempre será meu, mesmo que também depois dividido e compartilhado com você. E eu queria que você tivesse me prevenido disso. Eu queria que você tivesse me mostrado motivos para lutar, eu queria que você tivesse implorado e que estivesse desesperado em fazer a gente funcionar.

Eu te culpo tanto, meu amor, porque se não fosse por você, eu ainda estaria com você.

Mas é você que me faz não ficar. Porque você me solta, e eu sei que sou suscetível nesse jogo de amar.

E talvez você também o seja, e a gente pode ter se perdido por completo agora, sem saber nem quem foi o primeiro. Mas entendendo o porquê.

E depois teremos esse medo de não querer ser o primeiro a falar, ou saber como contar, de que apareceu outra pessoa, que há um outro alguém.

O premeditado,

mas sinceramente?

Jamais inevitável.

 

Por: Isadora Mello, 30 de abril de 2019

Créditos da Imagem: Weheartit

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

9 + dez =