2017,  Em Nome da Mãe,  Textos

Cobertura

Este diário nunca pareceu tão útil como parece hoje, especialmente hoje. Eu pensava que me resumiria na única constatação de que minhas calças jeans não cabem mais em mim. Hoje me deparo com tantas emoções que contam pela semana toda, não foi apenas afinal uma calça que não cabe mais e me obriga a usar a minha primeira legging. A barriga começa a aparecer, a escapar no vão da blusa. Não consigo mais segurar para dentro, é tudo muito natural, é enorme, e vai crescer ainda mais. Acho que foi ao perceber isso, ver meu reflexo naquele espelho do elevador, a barriga tão avantajada, a calça nunca antes usada, a minha postura que se alterou: agora levo os ombros mais para trás e as pernas mais abertas com as pontas dos pés apontando em direções contrarias, parecendo uma tesoura aberta.

Foi uma mistura de sensações, mas eu simplesmente senti, olhei para o alto, aquele mezanino extenso; respirei fundo, isso juntamente com o calor que eu começava a sentir, até sentir que havia algo errado, meus pés começaram a suar, não pude deixar de fazer uma careta. Um senhor segurou a porta do elevador com a sua maleta e perguntou:

– Vai subir, moça?

Eu olhei para ele, para o elevador, para cima, para meu reflexo no espelho:

– Não obrigada, agora não.

O elevador foi-se, eu passei a desconfiar de mim mesma, me afastei um pouco, e maneei a cabeça. Respirei fundo e apertei novamente o botão.

O elevador demorou um bom tempo para voltar, enquanto isso, eu percebia minha respiração alta. Quando o elevador chegou no térreo, coloquei um dos meus pés para dentro, e o outro eu não sabia controlar, sequei minha testa com as costas das mãos, me sentia esquisita, tonta e nervosa. Estava muito ofegante. Fechei os olhos e tratei de entrar de uma vez. Mas tudo foi em vão, pois eu não conseguia mais me acalmar, eu não era mais a mesma. A porta do elevador fechou e eu via meu dedo tremer enquanto buscava o botão mais ao topo. Não conseguia pensar na altura, na palavra cobertura, naquele frio lá do alto, e aquela vista. Não sabia reconhecer o que eu tinha e o que ali acontecia comigo. Comecei a caminhar agoniada de um lado para o outro, fechava os olhos com força e isso me deixava mais tonta. Respirava pela boca, meu peito se inflava. Toquei minha barriga e eu sabia que tudo aquilo era você, se manifestando em mim. Porque eu nunca fui assim, quantas vezes antes precisei ir até a cobertura do prédio? Quantas vezes nos intervalos me apoiei nas grades para admirar a vista?

Mas você, meu filho, que nada via, você tremia dentro de mim, e eu senti seu medo, eu senti medo por você. Aquele elevador tão rápido, parecia nos pressionar para baixo, sentia um peso nas costas de ar compressado. Aquilo te machucava também?

Saí cambaleando do elevador, não me atrevi a olhar para as janelas e varandas; me detive olhando o chão. Não olharia mais a cidade por lá do alto, talvez nem subisse mais para esse terraço até que você viesse, não estivesse mais em minha barriga.

E eu que pensava que apenas o que se passa comigo reflete em você, agora me surpreendo com toda essa sua capacidade de mexer comigo. Eu não sabia que esse tipo de coisa poderia vir a acontecer. Me surpreendo com esse seu medo, que passa a ser o meu também. O medo do desconhecido, do que você não vê.

Senti tanto você, que é como se estivesse aqui fora, como se tocasse na minha nuca com suas mãozinhas e me olhasse nos olhos.

Senti você, vi você real, como alguém que existe, como pessoa que é, indivíduo, sendo você mesmo, mesmo que ainda estivesse em mim, e me fizesse ser você também.

Fez-me sentir o que você sentia,

e que sentia.

 

Por: Isadora Mello

Créditos da Imagem: Wehearit

Parte II – “Em nome da Mãe”

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