Enfim
Ele me olhou
Fazendo jus ao verbo que pode dispensar objetos diretos ou indiretos, não é que ele tenha olhado meus lábios, ou meus olhos, ou minha respiração e meus pensamentos, dos pés a cabeça,
não há complemento, é intransitivo.
Ele me olhou como escritor que coloca um ponto final na história, tem certeza que a trama toda antecede aquele sinal, se pergunta se há espaços para continuações, mas mesmo assim ainda consegue se convencer de que fez seu trabalho.
Seu olhar foi tão inteiro em uma imensidão de vazio, é o olhar rápido que fotografa para digerir mais tarde.
A comparação com um ponto final deve ser aliás meu subconsciente, dando-se consolo de que chegamos ao nosso fim, e como pensei no que você podia estar pensando, agora não posso me satisfazer com uma fotografia mental sua.
O que fará de um lado você me superar, acostumando-se com a cena sinistra de hoje cedo, dos meus ombros caídos e olhos desbotados enquanto eu me alimentarei das lembranças prontas suas que antes nunca poderiam ser substituídas, da época de quando não éramos tão trágicos. As lembranças felizes tornaram parte do sinônimo que você sempre comparecerá.
E considerar uma vida toda em uma duração rápida, as fotos prontas dos sorrisos, as cartas espontâneas, esses artifícios que nos fazem esquecer de avaliar o antes, ou o depois. E mais que sentir saudades de você, será o gosto de repetir nossos momentos juntos e sentir o que eu senti contigo.
Eu deveria ter sido direta em te olhar, no quesito de focar nos seus defeitos, procurar seu lado feio, me introduzir a uma recapitulação de seus atos ruins. Mas eu não fui ao ponto, eu me deixei distrair, eu abri aquele buraco de esperança de que: “não deu certo mais ainda há de ter”, “ será, talvez, e se, por que não?” “ele está pensando em deixar tudo para trás e não vou fugir caso ele tente me beijar”
Enquanto você já pensa em morte e coveiro, daquele de colocar o caixão ao solo e preencher de volta a terra. Enquanto eu me impeço de seguir em frente, porque vou continuar a pensar no que poderíamos mudar, e como você não devia ter me olhado naquela hora.
Enquanto tudo isso, eu também penso que eu devia ter feito o trabalho, ou os dois enfim, ao mesmo tempo, capturar a imagem do fim instantânea e seguir em frente, mas nada em relação a nos dois é feita em equilíbrio, não há acordo nem em quem deve sofrer mais, ou como poderíamos ficar quites.
Na concorrência que nos destruía como casal, você vence como aquele dos olhos frios,
E eu só vou poder seguir quando eu parar de pensar o que você está pensando,
E isso enfim, teria prevenido muitos outros erros, que superaríamos se você tivesse sempre confiado em mim, suas palavras.
Se você apenas tivesse me dito, sempre.
(Isadora Mello, 2013)
(Esse texto é de 2013, mas bem que poderia ser de 2018)
Créditos da Imagem: Weheartit