Vasovagal
Dias nublados pregam peças, a nuance cinza cai sobre os olhos como cortina esvoaçante, a mesma sensação de olhos que pesam no sono, a ideia de desmaio.
Eu não quero sair do meu corpo de novo, eu não quero passar pelo mesmo medo de não saber se irei voltar.
As vozes são distantes e vejo as pessoas por cima, alcanço meu plano astral na decepção de que não sei sair, não sei voltar, caso precise, caso queira.
Dias nublados me lembram desfalecer, quando perco a temperatura, ameaço cair. Quando a visão fica turva, tonta e negra. Quando a pele gela e os lábios assumem o púrpura. Tremo. Suo. Água gelada a escorrer nas costas, corpo molenga.
Onde eu estou? Quanto tempo se passou? A visão retorna a focos curtos de luz, holofotes internos nas pupilas como se guardados como terna memória da vida nos palcos. Quase um “quem sou eu?”. O coração acelera mas o que se passa é a ideia de que parou.
Pra mim, é o corpo morto e a alma viva, um cordão umbilical dos tempos maternos, a imagem que crio. No desmaio eu me sinto quase morta.
Talvez a semelhança dos dias cinzas com o desfalecer seja que o nublado é o próprio desmaiar, mas da terra, suas energias assumem postura espiritual. A terra padece, a alma sobrevoa, uma imagem acabada e morta, mas uma vida dividida em duas, uma meia-vida, a alma ainda respira mas é cinzenta e vaga.
O corpo esvai-se quase sem temperatura, quase sem cor, mas como anjo adormecido.
Assim como dias cinzas, a alma é nublada. A alma não precisa de nada para sobreviver, ao lado de que todo corpo necessita de alma.
A alma só precisa de espaço para se propagar, um espaço para se encaixar e preencher, assumir presença ao se instalar, tubos de vácuo pouco a pouco preenchidos com vitalidade gasosa.
Você consegue ver a luz dos dias cinzas? A alma adora adotar o brilho do céu, brancas manchas. A alma pode se adaptar a qualquer espaço, e como água em frasco, assumir sua forma, ser espelho, ser janela,
Só ser.
(Isadora Mello, 2013)
Créditos da Imagem: Acervo Pessoal, foto por Isadora Mello