Baralho
Vi no refúgio que fiz com meus próprios braços um abrigo que custei confessar que precisava.
Acontece que um corpo frio não consegue produzir o próprio calor, assim como uma fogueira – duas pedras, dois gravetos, um pouco de álcool, uma força exterior –
nada se cria sozinho, e a fortaleza que ergui logo se desmoronou,
apesar de ter aguentado por muito tempo, pinos que adiaram a queda eram selos,
curtas coleções de lembranças divididos em gêneros e tempos,
felicidades, desejos, medos e tristezas equilibrados,
todos escritos no papel, eram hipóteses, pensamentos, primeiras, segundas, terceiras impressões,
eu me garantia que se um dia eu não tivesse nada, estivesse vazia, eu poderia recorrer a momentos passados.
A medida que ia vivenciando, escrevendo, lendo, eu também tomava conhecimento das informações,
era a minha mente no estado material mais alcançável e prático,
eram problemas que pensei não terem solução, pessoas que pensava que iria ter para sempre,
paisagens que vi, cheiros que senti, gostos que provei,
retratados com toques da maturidade, das influências, das modas e gostos de tal momento.
A estrutura que montei caiu como um castelo de baralho, e tão folha como são,
facilmente as reerguerei e estarão bambaleantes e inconsistentes,
mas me lembrarão de muitas coisas, e continuarão dando certo,
pelo menos exercendo a função que lhes cabe de cápsula do tempo à mente fraca,
eu afinal não a ergui sozinha,
muitos eus de tempos e momentos passados a construiram,
e mais que o abrigo das memórias e meu refúgio,
ela é a matéria da minha alma,
que não cabe no corpo,
projetada como castelo.
O costume, me traz o medo de esvaziar.
Me faz recorrer a todo tipo mínimo de garantia.
Por: Isadora Mello, 2014
Créditos da Imagem: Weheartit