Claro
Quando eu olhar para o lado, eu espero que você já não se encontre mais por aqui. Você por acaso não pensou que ao se calar, esse silêncio dedurava seu comportamento? A luz tinha acabado, breu completo, daqueles que as pessoas não conseguem visualizar nem a ponta do próprio nariz, que têm dificuldade em distinguir se estão com os olhos abertos ou fechados.
Eu relaxava no sofá, você se apoiava ao lado em pé, e havia uma garota conversando contigo; Alguns celulares ajudavam com um brilho fosco, deformando alguns dos rostos que usufruíam dos aparelhos. A janela mais próxima exibia um céu cinzento, nem para os postes da rua restava energia.
A menina se cansou daquele ambiente lotado, com cada pessoa imersa em seus próprios telefones, ninguém conversava, nem sobre o que seria feito dos planos com a ausência imprevista da luz e nem para fazerem alguma piada da situação.
Ela pegou a mochila e encostou no seu braço:
-eu vou indo… você vem junto?
E foi aí, nessa ausência de resposta que consegui perceber o quão ingenuamente babaca sem intenção você era. E como eu tinha sido uma otária em pensar que você era apenas gentil, que você era diferente, e me punindo de qualquer pensamento sexual que eu pudesse inventar. Mas no fundo, estava certa. O seu silêncio era um balançar de cabeça na minha direção, com um sorrisinho de canto, aquela viradinha de olho explicando: “tenho planos”.
Ainda bem que não havia luz, eu ia detestar qualquer que fosse a forma que você conseguisse apontar para minha pessoa.
Você podia ao menos ter disfarçado, apenas dito que não ia. Mas quis me colocar no meio, testemunha ou vítima para dar mais sustento? Então diria que estava ali comigo, direto. Não esse silêncio, não essa mão escondendo a boca em um sussurro de quem tá me ocultando e lidando comigo por baixo do pano. Não com vergonha, eu sei, nem porque quer manter segredo. Mas como se eu fosse um lanchinho especial da meia noite e você tivesse que tomar cuidado com as palavras antes que eu escapasse.
Você praticamente entregou. “Ela mal sabe” você pensou da sua amiga, pensou de mim.
E eu mal sabia mesmo.
Sua amiga insistiu: “Vou embora e você vai junto”
Vai mesmo. Foda-se. Leva ele… Sei lá, tanto faz
Mas foi ela que estragou seu jogo. Que te estragou para mim. Como uma sonsa, a reação deu eco.
“Ah, entendi”
Ou seja, deixando óbvio que houve alguma mímica melhor acobertada no ótimo álibi que aquele escuro era.
“Ah entendi, é aquela menina lá que você tava me dizendo antes que tava afim de comer?” – Era nessas frases que você queria chegar, meu bem, eu narrava mentalmente
“Aquela que você falou?” – Você não respondia nada, tanta mímica devia estar te dando torcicolo.
Eu ali do lado no sofá, e você não desconfiou que eu poderia desconfiar… pena.
Confiou demais no escuro e esqueceu que os outros sentidos ficam mais aguçados, os da audição, os da intuição.
Sua amiga também ganha o diploma de descrição mil, boa sorte com a próxima garota
Toquei no braço da sua amiga passando por cima do seu corpo:
“Você tá saindo? Tô indo com você” – eu disse para ela.
Se quisesse que eu ficasse. Que fosse mais direto.
Se quisesse que eu soubesse que estava só ali e por ali ficaria porque eu estava, então que fosse mais claro.
Mesmo sem luz.
Por: Isadora Mello, 2015
Créditos da Imagem: Wehearit